HISTÓRIAS

POR HOJE

Descobri que sou bonita, por trás das máscaras. E cheguei à essa brilhante dedução um pouco antes de chegar aos 40 anos, presente para o ano de 2017. Tenho sobrevivido, matematicamente falando, em mergulhos profundos ao mar de trevas... Em meio à fantasmas de peixes mortos... Tudo é engolido mesmo... Um mundo tão moderno, século XXI e continuamos à fixação oral... Queremos comer tudo, e eu acabei emagrecendo 10 quilos por que não conseguia engolir mais nada... Rolou um pânico, e as trevas fizeram a festa, como sempre... Mas nem adianta rezar... Gostaria que meus pecados fossem todos rapidamente perdoados, inclusive o maior de todos... Um terrível I DON'T CARE, mas me empurram meninas nuas na televisão, outros me chamam de tia e alguns acham que eu não sou homem e coisa e tal... A verdade é a vida é engraçada, a morte é engraçada, e nós servimos para quê? E quer saber de uma coisa? Eu bem que gostaria de ter todos os meus romances publicados, até mesmo os que eu nem quero mais ler... Retratos do silêncio ou coisa parecida. Os outros 39 ainda inéditos, inclusive sagas e poesias... Sei lá, depois leio no meu leito imortal, quentinha e feliz. 


O AMOR SERVE PARA ISSO
Era meia-noite. Eu ainda não conseguia me acostumar com a vertigem na janela do hotel, décimo sétimo andar. O quarto estava escuro. E eu já havia esvaziado a garrafa de vinho francês, a taça debaixo do abajur. A televisão não me interessava mais... Mulheres se beijando no canal da tv à cabo. Se amavam? Tentei amar as que apareceram na minha cama nos últimos anos. E a maioria eu nem sabia o nome... E lembrei porque todas parecemos prostitutas, em desejos ocultos. Fumei um cigarro. São Paulo nunca é deserta. Alguém pode querer te beijar de madrugada. Alguém que odiará nos próximos cinco minutos sóbria. Mas eu gosto daqui... Alguns sonhos serão somente sua, minha metrópole inacabada. Faltaram as ruas sem saída. Faltaram as árvores secas. Faltou até mesmo um pôr do sol.
Conferi as horas novamente e me enfiei debaixo das cobertas. Estava frio e eu só vestia uma camisola de cetim, que você deixou dentro da caixa de fita brilhante sobre a mesa, com um bilhete escrito:
Now,
Here,
In our way.
Love you,
B.
Mas já era tarde e eu acabei adormecendo. Não queria  te imaginar nas ruas perdidas da capital paulistana, esquivando-se das minhas sombras, ou procurando me esquecer. E numa lacuna dos meus sonhos inertes, minha pedra às margens do mesmo rio, eu acordei com o barulho do chuveiro ligado. Levantei-me na ponta dos pés e segui as luzes fracas no banheiro. E então percebi que você seria meu, ao te ver em silêncio, a cabeça encostada no mármore da parede, seu corpo nu se esquecendo de tudo debaixo da água. Voltei para a cama, e sorri. Dez minutos depois você desligou o chuveiro e apagou as luzes. Faltavam poucos segundos. Você se aproximou da cama e tocou de leve os meus cabelos... Fingi que dormia. E apenas se deitou ao meu lado, abraçando-me ainda molhado. Era esse o nosso silêncio, das frases que engolimos em taças de vinho, nos cigarros que nos matavam lentamente, nas poesias que escrevemos para nos encontrarmos.
Uma palavra?
Sim, você demorou, meu amor... Eu estava com muito frio por causa da eletricidade barata.
Nossas mãos se entrelaçaram, e nossos olhos se encontraram. Reconheceram-se no brilho do nosso amor. E nosso beijo, o nosso último pecado.


AVESSOS DA HISTÓRIA


O tempo é extenso. No balcão do bar eu a vejo. Ainda a minha deusa? Carrego tantas cruzes expatriadas... Ela sempre me provoca. Sabe que é tão chata iludindo a si mesmo com histórias que eu já sei de cor... Mas ela sempre inventa uma frase que eu ainda não conhecia, e depois me pede para não me lembrar de nada. Eu estava bêbada, ela sempre diz. E todos os homens com quem trocou olhares depois de três latinhas de cerveja. E lá está ela, com um vestido comprado em um brechó. Querida, outra homem amou alguma mulher por debaixo desse decote de veludo. Vai que ele te reconhece? Ai, ai... Que mulher é essa com o vestido da Isabela? E você lá, fumando o seu cigarro, descartando os homens como num tabuleiro de xadrez. Eu podia contar tantas histórias... Ver seus lábios tremendo de ciúmes... Ou inventar que eu já construí uma casinha de madeira no alto de uma colina. Ou inventar que eu conheci o diretor daquele filme francês que você adora, num café em Paris. Inventar que nem me lembro do nome da última mulher que tirou a minha roupa, e fazer você ficar tonta de invejas de qualquer mulher loira que passar na minha frente. Mas não, eu sei que eu te amo. E assim, vendo você se esquivando do espelho na parede do bar, junto aos pôsteres de bandas de rock inglesas, eu me encho de compaixão. Vou acabar dormindo na sua cama mais uma vez, e mais uma vez escorrer entre as suas pernas. Sou um poeta convincente? Mas fica procurando tanto esse homem que nunca vai aparecer... Ou que vai passar despercebido diante do seu olhar perdido quando tropeça embriagada em vultos sorridentes, com celulares de última geração e alguma paixão corrosiva que já marcou a sua vida. Ah... Essa música que você adora, que faz você se lembrar daquela criatura, para quem eu declarei o meu amor em meio à gramas de cocaína. Você está confundindo as coisas, meu amor... Não me interrompa, querida... Que seria da poesia se nossos amores não se esvaíssem com o orvalho da aurora? Não existem tigres enjaulados nesse circo, e nem os aviões carregam ogivas nucleares. É um prazer te encontrar todas as vezes, seu batom vermelho borrado, seus brincos de bijuteria, duas balas cravadas no seu peito e toda a minha pretensão.


DISTÂNCIA MATEMÁTICA


O tempo está fechado no País de Gales. Nenhum pouco ou decolagem. O aeroporto quase abandonado em meio ao nevoeiro. Meu péssimo inglês... I still love you... Segui em direção à saída, mas que frio era aquele... Entendi porque o meu coração sempre foi gelado, menos quinze graus centígrados. Eu carregava uma mala gigante, cheia de coisas inúteis, como uma sandália de festa, toda envernizada, que provavelmente não competia com o meu tênis confortável. Olhei a cara do motorista de táxi, fumando um cigarro.

- Hi!

Tinha os olhos azuis, e me olhou de cima em baixo. Por favor, moço... Não roube meu passaporte e minhas dois mil libras. Pegou a minha mala e abriu a porta do carro. Eu, que já havia vasculhado todas as ruas daquela cidade no Google Earth, falei soberba:

- Copthorne Way.

E meus olhos curiosos espiavam os troncos das árvores brotando da paisagem branca. Eu, que nunca tinha visto neve, sonhando em me tornar um pinguim na minha próxima encarnação. Um pinguim fiel ao seu amor, chocando um ovo no meio das pernas. No rádio, o noticiário local. Eu via os telhados das casas, frios, quentes... Madeira molhada, lenha acesa. Depois de alguns minutos o táxi me deixou no hotel. Paguei as vinte libras e me dirigi à entrada do hotel, que custava uma bagatela por apenas uma noite, mas ainda muito barato para poder sonhar durante toda à noite.

- Please... I have a reservation...

And the key... Desculpe-me, já estava raciocinando em inglês... E a chave era... Bem, fui para o quarto, no segundo andar, e nem precisei pegar o elevador, mas confesso que fiquei de olho nas pequenas lojas no interior do hotel. O quarto era perfeito. Não sei descrevê-lo com exatidão, mas a vista era magnifica, para um lago igualmente congelado. Tirei os sapatos e me deitei na cama. Silêncio. O mundo estava longe, apesar de estar apenas do outro lado da tela da televisão. Acho que o meu celular não estava funcionando, mas a verdade é que nunca me ligaram também, so...
Puxei as cortinas, tirei a roupa lentamente... Esses meus seios possuídos... Brancos e ensanguentados. Sua boca curando as minhas feridas... Latentes e inconscientes. Talvez seja tarde, e é a hora certa. Adeus? Suas lágrimas quentes escorrendo dos meus olhos, nosso coração ciumento, inseguro... Nossos corpos resistem... Essa pele, nosso suor, saliva, gozo... Ninguém nunca me filmou fazendo amor com você, mas é sempre tão perfeito que eu me esqueço em menos de duas horas. Simplesmente esqueço... E sempre me lembro. O prazer é no cérebro, nas veias, no meio das minhas coxas, no meu ventre, na minha boca... E depois, derrotada, me rendo ao nada, esse eterno vil que anseia pela minha dor, que sem pressa sorri satisfeito por todas as cartas marcadas na mesa de baralho, e que s esquece dos segundos que ele nunca inventou.



SÃO PAULO, 21:51 HORAS - SEXTA-FEIRA

Sexta-feira. E nem sei quantas me restam. O dia hoje foi, digamos, suficiente. Logo de manhã eu peguei um táxi para ir até a Nove de Julho. O taxista devia ter uns oitenta anos. Botei o cinto de segurança porque ele podia ter um infarto e acertar o carro numa árvore na Sumaré. Durante o percurso, na Oscar Freire, fiquei imaginando o programa de manhã de compras para os gringos descolados. E dei uma olhada na fachada de um hotel que tem a melhor banheira vitoriana de São Paulo - precisamos desse banheira cheia de sais de banho, meu amor. Depois o taxista me largou em frente ao prédio em construção na Nove de Julho. Tinha uma placa imensa indicando: ESSA É UMA OBRA LEED - APAGUE O SEU CIGARRO, então eu o apaguei. Tão legal essa coisa de obra... Sinto um orgulho de ser arquiteta... Buracos vazios esperando os elevadores, capacete para não cair um pedaço de concreto na sua cabeça, um pouco de lama nos degraus da escada... Reunião com os engenheiros. Quanta gente que trabalha nessa cidade, meu Deus! Depois deixei o prédio e fui tomar um café num lugar transado que eu encontrei pelo caminho, enquanto procurava um ponto de táxi. Cinco reais um expresso, o que é um absurdo. Depois fiquei parada no semáforo, procurando um táxi com um motorista que tivesse a cara simpática. Depois de meia dúzia de taxistas descartados, entrei no carro simples de um senhor de uns sessenta anos. Quarenta minutos de papo cabeça. Conversamos sobre tudo. Ai, que legal. Tão raro isso nesse lugar... Depois voltei para o escritório e encarei o resto de sexta-feira. Agora estou aqui, bebendo um vinho e me perguntando por que não estou enfiada em algum show alternativo em algum SESC, observando de longe os meninos bonitos, e as meninas bonitas. Mas esses paulistanos me matam de desgosto... Tão lindos e tão solitários... Abro a janela, fumo um cigarro. Não tem ninguém na minha cama, e eu tenho que me contentar com as janelas monótonas dos casamentos felizes no prédio ao lado. Não fique triste assim... Qualquer poeta sabe que amou demais sua própria desilusão... E na rádio sempre tem aquela música que você nunca mais quer ouvir. Mas sabe o que é legal? Logo inventam outra...


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PARA QUÊ?


Esse domingo... Viajei sobre as metrópoles... Esse mundo tão pequeno... Eu caminhava pelas ruas da cidade pequena. Em alguns lugares você não precisa se desviar do ódio. É lógico que todos os velhinhos morrem de câncer. Alguma paixão do passado ainda não os esqueceu. Só havia um bar em toda a cidade. Todo mundo já sabia quem havia beijado quem. E eu forasteira, tentando imaginar quem foi a defunta do século passado que teve a brilhante ideia de reencarnar no Brasil. Menos mal, me mandaram para Brasília. Visitei a Catedral uma dúzia de vezes, e sempre me ajoelhei diante do Santo Sudário. Será que eu realmente acreditava em Cristo? Não havia espelho no banheiro da minha escola no final da Asa Sul, mas eu sabia que não era bonita. Era a melhor aluna da escola, no entanto. Recebia estrelinhas douradas no final de cada bimestre. Mas já morria de sono. Quando o meu grande amor vem me buscar? Ouvia Legião Urbana na rádio... Gostava de meninos e meninas mas nunca tinha beijado a boca de ninguém. Não deviam fazer isso com as suas crianças... Os bares já lotavam dos boêmios dos anos noventa. E minha mãe escolhia as minhas roupas nas lojas do shopping center. Faz três anos que não vou à Brasília. E você matou os meus sonhos. Só porque bati o carro às quatro horas da manhã. Vomitei duas garrafas de vinho na frente do policial na viatura...
- Você está bem, menina?
- Atropelei alguém?
Que merda, eu já tenho 36 anos. E não comprei nenhum apartamento em Moema. E nem tive um filho. E o pior é que nem abortei nenhum. Vamos para a cama, meu amor. Goza em cima de mim e me beija como se eu fosse o último homem. Esse que você encontrou debaixo do seu vestido de renda. Mas e essas correntes? Essas da Asa Norte do pesadelo de Kurt Cobain? Tanto faz, também já estourei os meus miolos. Deus botou um revólver na cabeça do estuprador e lhe disse:
- Não estou muito a fim de te matar.
E agora eu estou bêbada.
Odeio São Paulo.
Todas as multinacionais estão na Avenida Berrini.
Monitoram a altura dos prédios para nenhum avião se estatelar antes de pousar em Congonhas.
O centro da cidade está tomado por usuários de crack.
Os mortos do Araçá não compreendem o século XXI.
O sistema viário não funciona.
E caiu uma tempestade na hora que eu encontraria algum menino estúpido para beijar.
Mas eu fico aqui.
Ninguém sabe o que eu fazia em Brasília,
Às duas horas da madrugada,
Em motéis na saída da cidade.


                                                                 ****************
DOMINGO


O copo de cerveja ao lado do computador...
E morro de preguiça.
Eu sou um homem apaixonado.
Preciso pegar o próximo avião e atravessar o oceano.
Deitar o meu corpo nos seios da minha amante.
Observá-la de confundir com palavras difíceis,
Tentando explicar que me ama.
Quase não reconheci sua voz no telefone.
E ela se assustou com a minha.
Quis dizer que precisava fazer amor antes da meia-noite,
E ela roía as unhas apertando a boneca que lhe comprei.
Mas amanheceu e eu ainda estava aqui,
São Paulo, última metrópole da América Latina.
Que resta para tantos, além desse céu acinzentado?
Eu queria ser escritor,
E amar algum homem para pagar meus pecados.
Mas essa vida é estranha, penso eu...
Não distingo mais mortos e vivos.
E os cemitérios se parecem com uma triste piada.
Olho pela janela... Esses quadradinhos escuros de vidro...
Todos estão acordado?
Fingem. Contas para pagar no final do começo do mês.
Hospitais lotados.
Acertei três números na loteria.
Meu suor sozinho na madrugada...
Impregnado de pólvora dos meninos.
Acha engraçado?
Essa vida que tentamos viver,
Antes de morrer.

                                                                        ************

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